Samba
O barulho lhe acordou. Olhou o relógio e já eram duas depois da meia noite. O samba ecoava e ao invés de se irritar pelo despertar involuntário, se alegrou. Era o vizinho que havia chegado de mais uma de suas noitadas longas e como se não quisesse que a noite acabasse, colocou um samba antigo para tocar.
E é claro que não podia se irritar, ser humano nenhum era capaz de se irritar com samba.
Na verdade uma vontade imensa de fazer companhia ao vizinho crescia em suas pernas, imaginava que uma boa cachaça estava na mão do adjacente.
Decidiu lhe bater à porta; e assim o fez.
Mal abriu a entrada de sua casa e o vizinho lhe deu passagem livre, estendeu o braço convidando-o a entrar como se já esperasse sua chegada.
O samba continuava e um copo com cachaça e limão lhe foi posto na mão. Um cigarro foi aceso e, mesmo que não fumasse, parecia errado rejeitar.
O apartamento parecia um sebo de tudo. Livro, roupa, disco; até um atabaque havia no meio da sala, rodeado de pandeiros e um violão. O som tinha passagem livre, e já era o quinto samba que vinha do toca-discos desde que chegara.
O vizinho sambava no espaço livre que havia, e o desperto não conseguia controlar os pés: também sambava.
Mais uma batida na porta e o convidado preparava mais um copo com cachaça para o outro convidado que chagava para a festa.
Mas era o síndico. Que também fora desperto não pelo samba, mas por algum sem alma que havia denunciado a alegria alheia. Ordenou que parasse à música (como se fosse qualquer música). A agulha foi levantada e o samba parou. Era só isso que o síndico esperava para voltar correndo para o sono interrompido.
— Tem gente que não devia ter a habilidade de escutar - disse o vizinho.
— Sorte que alguns a usam do jeito certo.
E assim acabou-se. Todos dormiram até o sol raiar. E os dois que aproveitaram o samba também ficaram felizes de poder ter a oportunidade de ver a luz quente do dia com o céu azul estendido - que aliás, combina muito bem com samba.